Participaram cerca de 90 alunos do 11º ano e 2 professores dos quais leram: o João, a Edite Dias, o Emílio Júnior, o Abel Lamego, o Iker Viana, o Tiago Coelho.
O João Amorim contou que a sua bisavó era de Alcobaça, onde tinha uma pastelaria que Salazar frequentava quando ia a Alcobaça tendo-lhe ela servido bolinhos em várias ocasiões. Ela tinha gosto nisso pelo facto de Salazar ser uma figura importante. Mas o seu bisavô dizia que ela devia ter posto veneno nos bolos.
Quando perguntei quem poderia ler as palavras que Salgueiro Maia dirigiu aos homens da Escola Prática de Cavalaria na noite de 24 de abril de 1974, o Tiago Coelho levantou o braço e perante o meu desafio para que o fizesse em cena, apesar de ter ficado surpreendido, aceitou. Eu sentei-me na plateia. Juntos, todos escutámos a célebre expressão sobre o “(...) Estado a que chegámos (...)”.
Durante a conversa no final, o Gustavo Brito contou que o seu avô esteve na Guerra Colonial e que veio de lá afetado por essa experiência e que ele agora, ali, percebia um pouco melhor o porquê. Disse que o se avô dormia com uma arma debaixo da almofada e que por vezes acordava agitado, acendia a luz e brandia a pistola à procura de apontar para algo ou alguém.
O Iker Viana contou que o seu avô também tinha estado na Guerra Colonial e que uma vez estava ao pé da avó enquanto esta cozinhava um tacho de arroz e de repente, do nada, o avô pegou no tacho e atirou-o por uma janela, e que tinha este tipo de reações inusitadas. Disse ainda que o avô tinha uns modos duros, certamente por ter vivido uma guerra e que, assim como eu tinha partilhado que o meu pai, antigo combatente, apesar de nunca ter falado da guerra, me ter marcado o facto de em pequeno, ele reagir mal quando me via a mim ou aos meus irmãos a brincar aos tiros, também a avó do Iker lhe “apanhava” e escondia as pistolas de água e outras de brincar, e lhe dizia que o avó não apreciava essas coisas. O Iker perguntou ainda porque é que eu repeti várias vezes que precisava de decorar todos os nomes e memórias que ali foram partilhadas hoje. Eu reafirmei que diria antes de terminarmos.
A professora Alexandrina contou que recordava a história de um rapaz da Ribeira de Viana do Castelo, de apelido Salgueiro, que tendo que ir para Lisboa mobilizado para a guerra, a família não lhe conseguiu dar nenhum dinheiro e que a chocou saber que alguns daqueles jovens iam para a guerra sem terem um “tusto”. Lembra-se que esse jovem passou à porta da casa da sua avó e que ela o chamou e lhe deu vinte escudos para que, pelo menos quando chegasse a Lisboa, o rapaz pudesse beber uma cerveja.
O professor Armando Borlido partilhou que no início da Guerra Colonial, aquando dos massacres de colonos por parte de milícias negras, um tio e uma tia dele foram mortos num desses ataque, inclusivamente a senhora estava grávida. Mas que, apesar desse trauma, nunca ouviu da parte dos seus avós ou demais familiares nenhuma condenação ou manifestação de ódio de cariz racial. Pelo contrário, foi-lhe sempre transmitido que infelizmentre os seus tios foram vítimas das circunstâncias daquele conflito que não tinha razão de ser e que tragédias daquelas aconteciam porque as pessoas daquelas terras estavam a lutar pela sua autodeterminação. Enfatizou que seria de esperar que um truma familiar daquels pudesse originar ódio racial. Mas que naquele caso, tal não se verificou.
A Inês Pinto perguntou qual a minha opinião sobre o Serviço Militar Obrigatório, de que se voltou a falar no nosso país, tendo em conta o mundo complexo em que vivemos. Respondi que mais do que a minha experiência pessoal, que não era relevante para aquele momento, considerava que importava realmente que todos eles soubessem construir a sua opinião sobre todos os temas.
O Iker Viana perguntou ainda, sabendo que apesar de eu não ter querido responder com a minha opinião específica, se eu concordava com o Serviço Militar Obrigatório e que se somos livres se faz sentido termos que cumprir algo assim. Eu respondi que não, que tal como existia, não concordava com o Serviço Militar Obrigatório e que o próprio conceito de obrigatoriedade colide com a noção de liberdade. Não somos livres se somos obrigados a fazer algo contra a nossa vontade.
Antes de fecharmos, o João Amorim voltou a pedir para falar e partilhou ainda que o seu avó, para tentar escapar à tropa, cortou uma parte de um polegar e que por isso não fez serviço militar. Quando ele perguntou ao avô o que lhe tinha acontecido ao dedo, este respondeu-lhe que tinha sido um pássaro que o tinha picado.
Após o espetáculo, a Edite Dias confessou-me que a história do senhor que mutilou o próprio polegar, que o João Amorim contou, na verdade, era sobre o avô dela. Ela é que contou ao João e lhe pediu para ele contar porque ela não quis ser ela a fazê-lo.
Fruto de uma partilha tão participada, esquecemo-nos de criar a frase para passar para o próximo espetáculo.
No entanto vou tomar a liberdade de adotar uma frase do João Amorim: “O meu bisavô dizia-lhe que ela devia por veneno nos bolos.”
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